sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

rascunhos

se a voz já está tão rouca
para esquentar os ouvidos
não hesite
rabisque meu corpo inteiro
não hesite
desenhos pontuais em meu pulso
não hesite
versos a caminhar pelos braços
não hesite
setas que lhe guiam para a nuca
não hesite
em apagar-me inteiro
com sua língua.


(scapin)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

poema dos amores proibidos

amo uma moça
e sobre esta cacofonia insossa
pousa o dever do disfarce
amo uma moça
mas não sei se posso amar
resolvi caminhar junto a moça
de pele tão clara de louça
daquelas que avó tem na estante
mas que ninguém pode usar
amo uma moça
mas não sei se posso amar
não tenho suas mãos que beijam minha face
não tenho o seu colo onde pousam os ouvidos
não tenho no abraço o desfile dos sentidos
não tenho seus olhares um minuto só que baste
amo uma moça
e sobre esta cacofonia insossa
pousa o dever do disfarce
amo uma moça
mas não sei se posso amar
não sorrimos juntos nas fotos
não andamos como os namorados
ainda que resistam sem foco
alguns carinhos velados
resolvi caminhar junto a moça
mesmo sem ter o seu rosto
no meu velho álbum de guardar
por isso estampo em sua capa
meu único pedaço da moça
a foto em que o pé dela ouve
o pé deste moço cantar
amo uma moça
e sobre esta cacofonia insossa
pousa o dever do disfarce
amo uma moça
mas não sei se posso amar.


(scapin)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

sobre elisas

a rotina de um sinaleiro ficando vermelho fora quebrada um dia com um olhar. estático. mas com a profundidade cortante que somente os olhares das grandes mulheres possuem. nos encontrávamos assim. a pontualidade canônica do organizador do trânsito caótico da capital, me lançava um olhar, dias amigável, dias terno, dias revelador, dias doce, dias provocativo, mas sempre daquela mulher que por timidez ou talvez punição, não me mostrava nada além dos olhos e da pele suave da face. não me mostrava o nariz talvez porque os olhos com o nariz já tornam o ser humano passível de identificação. não me mostrava a boca talvez porque esta, além de linda, traria as inquietações e as vontades mais íntimas do ser. não me mostrava os cabelos talvez tentando esconder um de seus traços mais femininos. nada adiantava a omissão. por sorte uma avenida importante da capital me fazia parar e por isso nossos olhares se cruzavam exatos um minuto e trinta e dois segundos sob o sol impiedoso com as latarias. uma eternidade para quem observa os carros que passam na rua ortogonal. um tempo ínfimo para quem está em estado de contemplação. elisa. assim seus olhos se apresentaram no quarto ou quinto encontro. graças trocadas, carinhos de graça, doce sonhar é pensar que você gosta de mim como eu de você. por quantos um minuto e trinta e dois segundos terei que esperar até que o sinaleiro pare de vez, o trânsito entre em completo caos, que eu a tome pelas mãos e as bocas peçam aos olhos que se calem?

(scapin)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

paisagem distante dos shoppings

quando vi os pequenos lagos verdes
dentro da imensidão da neve clara
lhes perguntei se era tudo verdade
a neve me abriu um sorriso
os lagos molharam as retinas
a natureza mostrou suas caras
as mais femininas
as mais selvagens
as mais raras
vivenciar a beleza impossível
é torná-la ainda mais bela
afogar-me os lagos
soterrar-me as neves
engolir-me a natureza
tornar-me ator no filme dela.


(scapin)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

todo mundo vive

todo mundo vive. fato facilmente constatado com a nossa respiração. se esta pára é porque não estamos mais vivendo. e por isso é tão importante respirar. se prendemos a respiração não morremos. apenas vamos perdendo os sentidos. mas não morremos. nem se quisermos. e assim todo mundo vive. quando não somos nós que prendemos nossa respiração podemos morrer. ou ficar apaixonados. é por isso que alguns morrem de paixão. sem registro em cartório. e como morrer de paixão é respirar como nunca, fecha-se assim nosso aparelho respiratório.

(scapin)