sexta-feira, 28 de novembro de 2008

caixa de mensagens

a primeira vez que liguei pra ela e não fui atendido foi confortante. no fundo não queria ouvir o alô que viria via satélite. o impulso de ligar é muito maior do que a própria razão da conversa. por isso liguei. na segunda vez que liguei pra ela e não fui atendido, as sensações mudaram. desta vez já havia me debatido com a idéia de que correra o risco de resposta na primeira tentativa. assim um diálogo inicial já começava a se formar na parte do meu cérebro destinado a isso. sempre ensaio diálogos. nunca sigo o roteiro. neste ponto eu já a via. as imagens já falavam bastante. como se estivéssemos sentados na mesma sala. um de frente pro outro. e a ligação ocorresse. na segunda ligação que não foi atendida, o martírio de esperar os sinais telefônicos era minimizado com a visualização ainda opaca de um vestido azul e suas formas. alças médias, colo exposto, decote discreto, convidativo para os neurônios escolhidos à dedo, para entender todas as nuances de uma linda mulher vestida. dizem que os homens despem as mulheres em seus pensamentos a todo instante. não sou diferente. mas antes disso passo por todas as instâncias do ato de se vestir. e a visto. peça por peça. botão por botão. como o escultor que de milímetro a milímetro veste sua estátua com um vestido de mármore.

na terceira vez que liguei para ela e não fui atendido, a angústia já se apresentava. muitas coisas já poderiam ser ditas. continuávamos naquela mesma sala. mas a sala diminuíra. ela já havia cruzado as pernas. e o vestido levemente caminhando por suas canelas, permitia o ouro de suas sandálias aparecer. para as meninas, sapatinhos de cristal. para as mulheres, sandálias de ouro. na terceira vez que liguei pra ela e não fui atendido, poderia ter-lhe perguntado de suas perplexidades. com a inocência de um desconhecido. com a fome insaciável de uma resposta que levaria a outra pergunta. já podia ver seu sorriso. e já podia desejar um sorriso maior, diante de uma bobeira que poderia ter lhe contado. na quarta vez que liguei pra ela e não fui atendido, já esperava o som que indicaria o caminho da caixa de mensagens. mas ela de tão próxima que estava, fazia com que a tormenta de não ter sido respondido, fosse confortada pelo deleite de seus traços, a pinta no rosto, os caminhos que os cabelos longos desenharam, após uma noite inteira dançando. ela estava tão perto como se os dois tivessem levantados e saídos da sala. na porta dos banheiros uma conversa rápida. um primeiro contato válido. um primeiro olhar. uma primeira risada. na quarta vez que não fui atendido por ela eu nem mais esperava. desliguei com a certeza de que ela tinha me encontrado. e vendo o tanto que estava perdido com todo o seu mistério e beleza, me perguntou se eu não queria uma carona de volta pra casa.

(scapin)