sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

rascunhos

se a voz já está tão rouca
para esquentar os ouvidos
não hesite
rabisque meu corpo inteiro
não hesite
desenhos pontuais em meu pulso
não hesite
versos a caminhar pelos braços
não hesite
setas que lhe guiam para a nuca
não hesite
em apagar-me inteiro
com sua língua.


(scapin)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

poema dos amores proibidos

amo uma moça
e sobre esta cacofonia insossa
pousa o dever do disfarce
amo uma moça
mas não sei se posso amar
resolvi caminhar junto a moça
de pele tão clara de louça
daquelas que avó tem na estante
mas que ninguém pode usar
amo uma moça
mas não sei se posso amar
não tenho suas mãos que beijam minha face
não tenho o seu colo onde pousam os ouvidos
não tenho no abraço o desfile dos sentidos
não tenho seus olhares um minuto só que baste
amo uma moça
e sobre esta cacofonia insossa
pousa o dever do disfarce
amo uma moça
mas não sei se posso amar
não sorrimos juntos nas fotos
não andamos como os namorados
ainda que resistam sem foco
alguns carinhos velados
resolvi caminhar junto a moça
mesmo sem ter o seu rosto
no meu velho álbum de guardar
por isso estampo em sua capa
meu único pedaço da moça
a foto em que o pé dela ouve
o pé deste moço cantar
amo uma moça
e sobre esta cacofonia insossa
pousa o dever do disfarce
amo uma moça
mas não sei se posso amar.


(scapin)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

sobre elisas

a rotina de um sinaleiro ficando vermelho fora quebrada um dia com um olhar. estático. mas com a profundidade cortante que somente os olhares das grandes mulheres possuem. nos encontrávamos assim. a pontualidade canônica do organizador do trânsito caótico da capital, me lançava um olhar, dias amigável, dias terno, dias revelador, dias doce, dias provocativo, mas sempre daquela mulher que por timidez ou talvez punição, não me mostrava nada além dos olhos e da pele suave da face. não me mostrava o nariz talvez porque os olhos com o nariz já tornam o ser humano passível de identificação. não me mostrava a boca talvez porque esta, além de linda, traria as inquietações e as vontades mais íntimas do ser. não me mostrava os cabelos talvez tentando esconder um de seus traços mais femininos. nada adiantava a omissão. por sorte uma avenida importante da capital me fazia parar e por isso nossos olhares se cruzavam exatos um minuto e trinta e dois segundos sob o sol impiedoso com as latarias. uma eternidade para quem observa os carros que passam na rua ortogonal. um tempo ínfimo para quem está em estado de contemplação. elisa. assim seus olhos se apresentaram no quarto ou quinto encontro. graças trocadas, carinhos de graça, doce sonhar é pensar que você gosta de mim como eu de você. por quantos um minuto e trinta e dois segundos terei que esperar até que o sinaleiro pare de vez, o trânsito entre em completo caos, que eu a tome pelas mãos e as bocas peçam aos olhos que se calem?

(scapin)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

paisagem distante dos shoppings

quando vi os pequenos lagos verdes
dentro da imensidão da neve clara
lhes perguntei se era tudo verdade
a neve me abriu um sorriso
os lagos molharam as retinas
a natureza mostrou suas caras
as mais femininas
as mais selvagens
as mais raras
vivenciar a beleza impossível
é torná-la ainda mais bela
afogar-me os lagos
soterrar-me as neves
engolir-me a natureza
tornar-me ator no filme dela.


(scapin)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

todo mundo vive

todo mundo vive. fato facilmente constatado com a nossa respiração. se esta pára é porque não estamos mais vivendo. e por isso é tão importante respirar. se prendemos a respiração não morremos. apenas vamos perdendo os sentidos. mas não morremos. nem se quisermos. e assim todo mundo vive. quando não somos nós que prendemos nossa respiração podemos morrer. ou ficar apaixonados. é por isso que alguns morrem de paixão. sem registro em cartório. e como morrer de paixão é respirar como nunca, fecha-se assim nosso aparelho respiratório.

(scapin)

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

caixa de mensagens

a primeira vez que liguei pra ela e não fui atendido foi confortante. no fundo não queria ouvir o alô que viria via satélite. o impulso de ligar é muito maior do que a própria razão da conversa. por isso liguei. na segunda vez que liguei pra ela e não fui atendido, as sensações mudaram. desta vez já havia me debatido com a idéia de que correra o risco de resposta na primeira tentativa. assim um diálogo inicial já começava a se formar na parte do meu cérebro destinado a isso. sempre ensaio diálogos. nunca sigo o roteiro. neste ponto eu já a via. as imagens já falavam bastante. como se estivéssemos sentados na mesma sala. um de frente pro outro. e a ligação ocorresse. na segunda ligação que não foi atendida, o martírio de esperar os sinais telefônicos era minimizado com a visualização ainda opaca de um vestido azul e suas formas. alças médias, colo exposto, decote discreto, convidativo para os neurônios escolhidos à dedo, para entender todas as nuances de uma linda mulher vestida. dizem que os homens despem as mulheres em seus pensamentos a todo instante. não sou diferente. mas antes disso passo por todas as instâncias do ato de se vestir. e a visto. peça por peça. botão por botão. como o escultor que de milímetro a milímetro veste sua estátua com um vestido de mármore.

na terceira vez que liguei para ela e não fui atendido, a angústia já se apresentava. muitas coisas já poderiam ser ditas. continuávamos naquela mesma sala. mas a sala diminuíra. ela já havia cruzado as pernas. e o vestido levemente caminhando por suas canelas, permitia o ouro de suas sandálias aparecer. para as meninas, sapatinhos de cristal. para as mulheres, sandálias de ouro. na terceira vez que liguei pra ela e não fui atendido, poderia ter-lhe perguntado de suas perplexidades. com a inocência de um desconhecido. com a fome insaciável de uma resposta que levaria a outra pergunta. já podia ver seu sorriso. e já podia desejar um sorriso maior, diante de uma bobeira que poderia ter lhe contado. na quarta vez que liguei pra ela e não fui atendido, já esperava o som que indicaria o caminho da caixa de mensagens. mas ela de tão próxima que estava, fazia com que a tormenta de não ter sido respondido, fosse confortada pelo deleite de seus traços, a pinta no rosto, os caminhos que os cabelos longos desenharam, após uma noite inteira dançando. ela estava tão perto como se os dois tivessem levantados e saídos da sala. na porta dos banheiros uma conversa rápida. um primeiro contato válido. um primeiro olhar. uma primeira risada. na quarta vez que não fui atendido por ela eu nem mais esperava. desliguei com a certeza de que ela tinha me encontrado. e vendo o tanto que estava perdido com todo o seu mistério e beleza, me perguntou se eu não queria uma carona de volta pra casa.

(scapin)

sábado, 25 de outubro de 2008

todo mundo é um mundo

barcelos é um executivo de sucesso e luta takendô. isabela me falou dos pormenores de seus nus artísticos. lana é ninfomaníaca e trabalha voluntariamente há dois anos em um abrigo para velhinhos. alberto joga futebol de botão profissionalmente e escreve poemas. carlos tem a gravação dos 15 minutos de silêncio pela morte de john lennon. ele a ouve diariamente. zé dá aulas de inglês para crianças infernais e estuda esperanto com um professor impaciente. jorge não sai de casa sem alimentar seus dezenove papagaios e por isso abre mão da sua hora de almoço. pereira já queimou cinco chuveiros por tomar banhos muito quentes. sara faz sexo com animais ortodoxamente. joana é retro mas gosta de trance. rafael só bebe uísque doze anos com energético quente. nádia já foi a trinta e cinco shows do bob dylan. emerson é gay. idemar é machista. cláudia é fissurada por jujubas amarelas. marcos é pastor e come a empregada. nara canta e quer salvar o mundo. mariana faz mergulhos em mares profundos mas não gosta de piscina com água gelada. cleide é viciada em atari desde o seis anos. andré é casado com uma harley davidson e a trai de vez em quando com moças loiras. todo infinito cabe dentro de um segundo. todo mundo, sem exceção, é um mundo.

(scapin)

domingo, 12 de outubro de 2008

ensaio sobre a dor

descobri que estou vivo.
a mesa dói. os livros doem.
as músicas todas parecem chorar.
músicos e poetas nunca carregam lenços.
os lenços doem mais.
o telefone dói.
a cama dói e asfixia.
ainda estou vivo.
como é cruel estar vivo e doer.
a chuva que cai no telhado
e não sob a grama verde onde estão as margaridas.
as margaridas doem.
cada pétala a murchar de dor.
o pólen está morto
como as flores futuras.
o futuro é o que mais dói.
é por ele que doemos hoje.
a dor e a doação.
sem oração dói mais.
doer sem deus. amputar sem anestesia.
deixamos o amor doer para que ele seja grande pro resto dos dias.


(scapin)

sábado, 11 de outubro de 2008

todo mundo tem marca de vacina

todo mundo tem marca de vacina. a que mais me chamou atenção até hoje foi sem dúvida a da minha prima. lembro-me especialmente dela. carinhosamente arredondada. que me fazia pensar que não era a conseqüência mas sim a causalidade artística do artifício médico. as marcas de vacina variam como as luas. mais abertas. mais fechadas. Com mais ou menos relevo. Mais ou menos nuas. todo mundo tem marca de vacina. mas a da minha prima era a mais bela. nem me lembro mais da dor que suportei para ter a minha. só que hoje tudo dói mais. ao perceber que não sou vacinado contra ela.

(scapin)

domingo, 5 de outubro de 2008

sobre pés

de manhã
enfiar os pés na grama
enfiar os pés na lama
e sujar
enfiar os pés na terra
descansá-los na janela
sem pensar
enfiar os pés em Deus
em paz pra sonhar
enfiar meus pés nos teus.

de manhã
enfiar os pés na água
enfiar os pés na tábua
e sumir
enfiar os pés na areia
sonho de toda sereia
sem pensar
enfiar os pés em Deus
em paz pra sonhar
enfiar meus pés nos teus.


(scapin)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

para quem você daria um poema

para quem você daria um poema de amor
para quem você daria um poema de saudade
para quem você daria um poema escondido
pra que quando fosse achado se tornasse uma verdade
para quem você daria um poema sorrateiro
para quem você daria um poema com defeito
para quem você daria um poema reto e curto
pra curtir o feito quente da sua frase de efeito
para quem você daria um poema, eu daria
dois poemas separados
um soneto pra mostrar meu romantismo
e um haicai pra beijá-la bem mais rápido
para quem você daria um poema de entrega
igualzinho o que eu sonhei que ela me entregasse um dia
sob todas essas luas eu pergunto para ela
eu já fui vários poetas, para quem você daria?


(scapin)

domingo, 7 de setembro de 2008

fotossíntese

largue de mão a água e o regador
solte no chão os pés e os cabelos
a natureza decretou você em mim
é o nosso beijo que trará
a chuva pro jardim.


(scapin)

contratempo

você sempre fora a música
dos meus ouvidos
até nunca mais te achar
entre as três mil do meu ipod.


(scapin)

sobre anas

foi uma ana que inventou
a onipotência do amor
porque se você é ana
você de cara ama
com um ponto de apoio a menos.

(scapin)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

sobre marinas

eu fui ao encontro que tínhamos marcado para o futuro.
ela estava lá não menos morena que as imagens que saciavam o desejo da visão.
ela estava lá. em todos os lugares.
as marinas são cosmopolitas.
aportam e despedem-se de seus barcos de infinitos propósitos.
as marinas sempre serão morenas e sempre vão se pintar.
seja da maquiagem clara que o sol traz para suas velas.
seja da penumbra sedutora que a lua traz para suas águas.
eu fui ao encontro que tínhamos marcado para o futuro.
o futuro não chegou mas o café foi bebido.
o croissant foi comigo junto com suas perplexidades.
eu fui ao encontro que tínhamos marcado para o futuro.
ela estava lá. assim como todos os barcos, que uma vez no tempo, acharam por lá
um lugar seguro.

(scapin)

terça-feira, 26 de agosto de 2008

lição aguda

paradigmas
para tudo?
pára tudo!


(scapin)

toy store

(no último encontro da sociedade dos poetas vivos, foi lançada a frase "o convite para ser estátua na loja da irene era perfeito para o momento" e todos os poetas levaram contos em que necessariamente esta frase deveria estar.) segue:

...

o convite para ser estátua na loja da irene era perfeito para o momento. josélia me deixara há poucos dias. caso curto. no início ela me achou diferente. ficamos. passei de diferente para excêntrico. fomos para a cama. ela me chamou de maluco e sumiu. não minto para as mulheres que passam por mim. eu gosto de apanhar. foi assim que desvendei todas as mulheres que encontrei na vida. através das suas catarses violentas, estas que eu tanto pedia e gostava. só irene amei realmente. creio que ela me amou também. irene era carinhosamente anarquista no sexo. batia bem. mulher visionária. ela já usava chicotes quando estes eram de uso e deleite apenas dos eqüinos. ficamos juntos enquanto nos amamos. apanhei como nunca. fui realmente feliz. irene mulher de negócios, logo subiu na vida. a primeira toy story sex shop foi aberta logo depois que ela me deixou. hoje, são mais de 10 lojas por toda a cidade. manobristas. atendimento personalizado. aos sábados, é servido champanhe para os clientes. senhoras de mais idade, jóias importadas, carrões e seus jovens namorados. meninas mais novas em busca do apimentar da relação. homens tímidos que, por algum bom motivo, entraram ali. irene fez fama e hoje todos compram com ela. o nome da loja surgiu logo no início, quando, em sua primeira remessa de produtos, ela recebeu um vibrador chinês no formato do personagem buzz lightyear que, quando era ligado, vibrava em 3 velocidades diferentes e ainda falava: “ao infinito e além” em 4 línguas.

irene me ligou na manhã de sexta para me fazer o convite. ficaria o sábado na loja mais movimentada da rede. seminu. na sessão de chicotes, cordinhas, espadas, sabres de luz e outras, como eu diria, arminhas brancas. josélia me deixara e a solidão me consumia. mais uma vez, irene me salvara do martírio e do abandono de uma mulher cruel. todas elas sabem ser cruéis. cheguei no sábado bem cedo. logo entrou uma senhora. dona jussara, 74 anos. compra com freqüência na toy story. chegou meio tímida, mas logo pegou o sabre de luz verde ao meu lado e com a experiência da idade me esbofeteou prazerosamente. “joílton vai adorar isso aqui. esta noite simularemos guerra nas estrelas!” exclamou dona jussara após ver minha cara de satisfação. joílton, namorado de dona jussara, tem 22 anos e adora star wars - tanto os filmes quanto os jogos em vídeo-game. a tarde passou como passam as tardes inesquecíveis. e por mim passaram as inúmeras moças, senhoras e menininhas que, por um motivo ou outro, sem que eu pedisse, descontavam em mim, fantasiavam em mim, imaginavam em mim suas crueldades intrínsecas. até hoje agradeço irene pelo convite. não mais invejo estátuas famosas. fui nu e estático como davi. hoje, ele e todas as outras estátuas me veneram. pois, além da contemplação feminina, recebi, pura e espontaneamente, a violação feminina.

(scapin)

sexta-feira, 20 de junho de 2008

caso de hotel

só havia um single com uma vaga restante.
sem reservas o pagamento é à vista.
aceitamos todos os tipos de cartões.
não seria possível mais uma vaga?
desculpe senhor mas é uma questão de espaço.
sem bússula ou nome de cidade
travo diálogos distantes
tão distantes quanto eu me acho

te encontrei num esbarrão atravessando a via.
e agora apalpo às cegas ao menos um referencial
para te encontrar coração de guria
e reservar só pra mim
sua suíte presidencial.


(scapin)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

tatuagem

as notas soam nas calçadas
quando passam seus pés por elas
dança o concreto
queimando com a clave de sol.


(scapin)

terça-feira, 3 de junho de 2008

matemática básica

dois mais dois
é uma orgia
de quatro.

(scapin)

quinta-feira, 22 de maio de 2008

do abraço

durante um abraço se comem duas mil e oitocentas picocas. as pipocas já nem se esquentam mais. agrava-se então a ausência dos pais. quando é abraço é porque os corpos resolvem se beijar. cheiro. cheiro. cheiro. ar. quando os corpos se beijam. as bocas nem se esquentam mais. intáctas. beijos dos cérebros. sais minerais. os olhos não vêem. as lentes reclamam. os cheiros se amam e fazem carinho. durante um abraço se come um saco de doces azedinhos. assim como um beijo. agridoce. que mesmo assim que fosse. necessário não seria. quando é abraço é porque os corpos resolver se beijar. beijo de silêncio. beijo de segredo. beijo de alegria.

(scapin)

sexta-feira, 16 de maio de 2008

dos fatos

as coisas acontecem
as coisas acontecem e as vezes me entristecem
eu odeio esse tipo de peripécia fatológica
ainda mais porque as coisas acontecem sem lógica

as coisas se merecem

e nunca terminam quando anoitecem
de nenhuma espécie

por isso a minha prece
só com amor
a tristeza

amorece.

(scapin)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

lopes mendes


da areia até o mar
deixam-se as roupas
mata-se um siri
corta-se o pé
suja-se o sangue de areia
da areia até o mar
deixam-se as idéias
mata-se um projeto
que antes era certo
molha-se o pé de areia

da areia até o mar
pensa-se em quão fundo
da areia até o mar
conquista-se o mundo.

(scapin)

(gravura de jean-jacques sempé)

terça-feira, 13 de maio de 2008

todo mundo gosta de achar dinheiro no bolso da calça

todo mundo gosta de achar dinheiro no bolso da calça. bilhetinhos apaixonados. papéis de bala ainda melados. lembretes escritos porque a agenda é muito vasta. o dia é grande demais pra quem um dia só não basta. e os bolsos guardam. em segredo de estado. lembranças teimosas resistindo virar passado. todo mundo gosta de achar dinheiro no bolso da calça. desde que a lembrança. não se esconda enfim num bolso furado.

(scapin)

todo mundo toma banho

todo mundo toma banho. os bebês não conseguem tomar banho sozinhos. mas eles crescem e depois que conseguem vivem procurando um banho acompanhado. deve-se ressaltar que banhos muito quentes fazem mal ao seu estado. e aos chuveiros. aconselha-se então lavar-se em água morna. sabão se põe nas palmas. e as palmas no corpo inteiro. sabão não lava a alma. mas à acalma. e pra lavar. não tem segredo nem nada. choro de felicidade. é que deixa a alma lavada.

(scapin)

todo mundo nasce

todo mundo nasce. é de extrema importância nascer. nascer no início. no meio. e já lá pro fim de tudo nascer novamente. nós nascemos quando somos retirados da barriga de nossas mães. alguns nascem com susto. outros com alegria. nasci de novo. e assim nasce todo o povo. alguns nascem da tia. uns com. outros sem anestesia. e se nascer for tão difícil. nem casulo. ovo. cama. aconselha-se um bom médico. que lhe fará a cesariana.

(scapin)

constatação

aponta a dor
para o lápis
e escreverei minhas curas
minhas magias inseguras
e minhas verdades sobre você

apronta o amor
que o amor não late
e a dor fica menos dura
que nem agulha de acupuntura
que valha a pena doer

com o tocador
vá e constate
que a paixão é só dó maior
e o amor é dó sustenido maior com sétima menor nona maior e
quinta diminuta
mas toda canção quer ter.


(scapin)

empurrão sacerdotal

se meu signo não bater com o daquela linda morena de brasília. eu invento outro horóscopo. já se são os santos que não batem, as coisas se embolam mas sabe como é né? ligo lá pro vaticano e explico a situação pro papa, como não? ele há de sacrificar uns santos pra salvar o meu amor!

(scapin)

uma paixão é feita de chá verde

uma paixão é feita de chá verde. sanduíches de filé mignon. crepes doces com sorvete. mãos geladas. coca-cola. paixões são fartas e não pedem esmola. uma paixão é feita de rótulos de cerveja semi-rasgados e rabiscados com carinho. paixões são feitas bem devagarzinho. uma paixão tem cinco línguas. duas delas bem difíceis. uma paixão tem cinqüenta discos pra serem gravados. três milhões quinhentas e vinte nove músicas pra todos os estados. oito mil horas de conversa e vários assuntos inacabados. uma paixão é feita de chá verde e várias mensagens de madrugada. uma paixão é feita de dois. ou duas. cabeças apaixonadas. a paixão é feita de chá. chá é quase que só água. a paixão é molhada. suor. saliva. lágrima. chuvas que derrubam árvores em toda a cidade. a paixão não tem idade. mas se quiser: façamos uma média aritmética. a paixão tem sua ética. até as duas bocas herméticas enfim se libertarem. uma paixão é feita de chá verde.

(scapin)

sobre olhos e fitas azuis

um brinde só deve ser feito se a noite que passa possui músicas boas. é claro que ajuda um sofá preto pra duas pessoas. mas nada disso conta mais que as palavras que não saem pela boca. essas palavras de tão fortes arrebentam e se libertam pelos olhos deixando marcas na roupa. os gritos dos olhos ultrapassam qualquer isolamento acústico. ainda mais quando os olhares são doces. ainda mais quando as línguas são mandadas que nem as crianças mandam por causa dos doces. ainda mais quando as duas mãos apóiam o queixo e a face não resolve esconder mais a paz que alcançam os olhos. crianças brincam de se esconder com os olhos. atrás de pessoas. de paredes. de olhares para cima. e quando enfim os olhos se acham o sorriso sem graça se mostra. com rima. e com carinho. brindemos essa noite. seja com vodka. cerveja. tequila. vinho. seja com tódinho.

(scapin)

nunca converse com estranhos

nunca converse com estranhos. encontre-os. assim todos os presságios viram boas surpresas. e enfim se descobre que os lenços e ainda mais os documentos são dispensáveis. ficam bem em cima da mesa. encontre-os. com destreza. mas uma destreza sincera. com seus fios vermelhos e seus espirros incansáveis. encontre-os. porque os estranhos são intermináveis. deixe um estranho carregar o seu casaco. até um fio vermelho ser roubado por ele. e depois cicatrizar. nunca converse com estranhos. encontre-os. os estranhos são passíveis de amar.

(scapin)

da fome

minha mãe comeu todo o sal e açúcar que tinha no mundo. minha mãe comeu meu choro com o peito. e a despeito o choro insistiu em não ser devorado. tipo capim na pança do gado. o choro é de longe mais bravo, porque mães choram também. minha mãe comeu a solidão quando ela veio. a tristeza. os sustos. os medos. os dedos. os segredos. os cedos. até aqueles brinquedos que todo mundo tem. minha mãe comeu a despedida melancólica dos trens. minha mãe comeu o amém pois minha fome veio no meio da oração. minha mãe é um coração. dentro de mim. batendo assim: faminto.

(scapin)

da surpresa

foi o dia mais feliz de todos os dias que eu fui feliz nessa vida. acordar e sentir que seus cabelos que possuem o cheiro único dos seus cabelos estavam carinhosamente conversando com os meus. até os ateus. acreditariam em mim diante de sua existência divina. a paixão que toca o olimpo nunca é contada no boteco da esquina. estas vêm de surpresa. surpresa. você é a presa. enquanto isso as árvores continuam trabalhando para que os vinhos continuem em nossa mesa. todos com certeza continuam escolhendo as maçãs mais belas. e só alguns continuam a se preocupar com a beleza em aquarela. arte abstrata ainda está na mais bêbada das telas. todo mundo aguarda o sol entrando na janela. surpresa é o que todo mundo espera.


(scapin)

dos copos

eu não vou mais contar quantos copos tem na prateleira bem acima da pia. nem quantos copos quebraram desde que eu comecei a contar quantos copos tem na prateleira bem acima da pia. nem quantos cacos foram pro lixo desde que os copos que eram contados começaram a quebrar. eu resolvi contar o amor. o amor é algo em torno de 1842. mas é sempre difícil manter a contagem depois do 40. eu sei que deu isso. cerca de 1842. fiquei lembrando e vi que tem mais amor do que copos na prateleira bem acima da pia. me deu vontade de usar a torneira da pia pra encher os copos. mas assim eu ia acabar contando. e eu não vou mais contar quantos copos tem na prateleira bem acima da pia. então enchi o amor mesmo e ele ficou tão grande que bateu na prateleira e quebrou todos os copos. tem muito mais cacos do que amor.

(scapin)

das caixas

a caixa de leite é um paralelepípedo. a caixa das caixas de leite é um paralelepípedo. a de suco, sabão em pó, farinha e sucrilhos também. a caixa do cd é fininha. a maioria das caixas das frutas são comestíveis. a da banana não, nem do abacaxi, da manga, do melão, da pinha. a caixa do livro é a cabeça. a caixa do beijo é a boca. a caixa de outra caixa é uma caixa maior que a outra. mas podem ser menores também. a caixa do pênis é a vagina. o destino é a caixa da sina. presentes vêm em caixas especiais. os que já não estão presentes estão nos caixões. o segredo é a caixa do sexo. o sexo tem x que nem caixa. a caixa do eu somos nós. e do problema são os nós. a caixa da bateria é regulável. a caixa da alegria é instável. a caixa da bateria ressoa. a caixa de uma pessoa é outra pessoa.

(scapin)