quinta-feira, 22 de maio de 2008

do abraço

durante um abraço se comem duas mil e oitocentas picocas. as pipocas já nem se esquentam mais. agrava-se então a ausência dos pais. quando é abraço é porque os corpos resolvem se beijar. cheiro. cheiro. cheiro. ar. quando os corpos se beijam. as bocas nem se esquentam mais. intáctas. beijos dos cérebros. sais minerais. os olhos não vêem. as lentes reclamam. os cheiros se amam e fazem carinho. durante um abraço se come um saco de doces azedinhos. assim como um beijo. agridoce. que mesmo assim que fosse. necessário não seria. quando é abraço é porque os corpos resolver se beijar. beijo de silêncio. beijo de segredo. beijo de alegria.

(scapin)

sexta-feira, 16 de maio de 2008

dos fatos

as coisas acontecem
as coisas acontecem e as vezes me entristecem
eu odeio esse tipo de peripécia fatológica
ainda mais porque as coisas acontecem sem lógica

as coisas se merecem

e nunca terminam quando anoitecem
de nenhuma espécie

por isso a minha prece
só com amor
a tristeza

amorece.

(scapin)

quarta-feira, 14 de maio de 2008

lopes mendes


da areia até o mar
deixam-se as roupas
mata-se um siri
corta-se o pé
suja-se o sangue de areia
da areia até o mar
deixam-se as idéias
mata-se um projeto
que antes era certo
molha-se o pé de areia

da areia até o mar
pensa-se em quão fundo
da areia até o mar
conquista-se o mundo.

(scapin)

(gravura de jean-jacques sempé)

terça-feira, 13 de maio de 2008

todo mundo gosta de achar dinheiro no bolso da calça

todo mundo gosta de achar dinheiro no bolso da calça. bilhetinhos apaixonados. papéis de bala ainda melados. lembretes escritos porque a agenda é muito vasta. o dia é grande demais pra quem um dia só não basta. e os bolsos guardam. em segredo de estado. lembranças teimosas resistindo virar passado. todo mundo gosta de achar dinheiro no bolso da calça. desde que a lembrança. não se esconda enfim num bolso furado.

(scapin)

todo mundo toma banho

todo mundo toma banho. os bebês não conseguem tomar banho sozinhos. mas eles crescem e depois que conseguem vivem procurando um banho acompanhado. deve-se ressaltar que banhos muito quentes fazem mal ao seu estado. e aos chuveiros. aconselha-se então lavar-se em água morna. sabão se põe nas palmas. e as palmas no corpo inteiro. sabão não lava a alma. mas à acalma. e pra lavar. não tem segredo nem nada. choro de felicidade. é que deixa a alma lavada.

(scapin)

todo mundo nasce

todo mundo nasce. é de extrema importância nascer. nascer no início. no meio. e já lá pro fim de tudo nascer novamente. nós nascemos quando somos retirados da barriga de nossas mães. alguns nascem com susto. outros com alegria. nasci de novo. e assim nasce todo o povo. alguns nascem da tia. uns com. outros sem anestesia. e se nascer for tão difícil. nem casulo. ovo. cama. aconselha-se um bom médico. que lhe fará a cesariana.

(scapin)

constatação

aponta a dor
para o lápis
e escreverei minhas curas
minhas magias inseguras
e minhas verdades sobre você

apronta o amor
que o amor não late
e a dor fica menos dura
que nem agulha de acupuntura
que valha a pena doer

com o tocador
vá e constate
que a paixão é só dó maior
e o amor é dó sustenido maior com sétima menor nona maior e
quinta diminuta
mas toda canção quer ter.


(scapin)

empurrão sacerdotal

se meu signo não bater com o daquela linda morena de brasília. eu invento outro horóscopo. já se são os santos que não batem, as coisas se embolam mas sabe como é né? ligo lá pro vaticano e explico a situação pro papa, como não? ele há de sacrificar uns santos pra salvar o meu amor!

(scapin)

uma paixão é feita de chá verde

uma paixão é feita de chá verde. sanduíches de filé mignon. crepes doces com sorvete. mãos geladas. coca-cola. paixões são fartas e não pedem esmola. uma paixão é feita de rótulos de cerveja semi-rasgados e rabiscados com carinho. paixões são feitas bem devagarzinho. uma paixão tem cinco línguas. duas delas bem difíceis. uma paixão tem cinqüenta discos pra serem gravados. três milhões quinhentas e vinte nove músicas pra todos os estados. oito mil horas de conversa e vários assuntos inacabados. uma paixão é feita de chá verde e várias mensagens de madrugada. uma paixão é feita de dois. ou duas. cabeças apaixonadas. a paixão é feita de chá. chá é quase que só água. a paixão é molhada. suor. saliva. lágrima. chuvas que derrubam árvores em toda a cidade. a paixão não tem idade. mas se quiser: façamos uma média aritmética. a paixão tem sua ética. até as duas bocas herméticas enfim se libertarem. uma paixão é feita de chá verde.

(scapin)

sobre olhos e fitas azuis

um brinde só deve ser feito se a noite que passa possui músicas boas. é claro que ajuda um sofá preto pra duas pessoas. mas nada disso conta mais que as palavras que não saem pela boca. essas palavras de tão fortes arrebentam e se libertam pelos olhos deixando marcas na roupa. os gritos dos olhos ultrapassam qualquer isolamento acústico. ainda mais quando os olhares são doces. ainda mais quando as línguas são mandadas que nem as crianças mandam por causa dos doces. ainda mais quando as duas mãos apóiam o queixo e a face não resolve esconder mais a paz que alcançam os olhos. crianças brincam de se esconder com os olhos. atrás de pessoas. de paredes. de olhares para cima. e quando enfim os olhos se acham o sorriso sem graça se mostra. com rima. e com carinho. brindemos essa noite. seja com vodka. cerveja. tequila. vinho. seja com tódinho.

(scapin)

nunca converse com estranhos

nunca converse com estranhos. encontre-os. assim todos os presságios viram boas surpresas. e enfim se descobre que os lenços e ainda mais os documentos são dispensáveis. ficam bem em cima da mesa. encontre-os. com destreza. mas uma destreza sincera. com seus fios vermelhos e seus espirros incansáveis. encontre-os. porque os estranhos são intermináveis. deixe um estranho carregar o seu casaco. até um fio vermelho ser roubado por ele. e depois cicatrizar. nunca converse com estranhos. encontre-os. os estranhos são passíveis de amar.

(scapin)

da fome

minha mãe comeu todo o sal e açúcar que tinha no mundo. minha mãe comeu meu choro com o peito. e a despeito o choro insistiu em não ser devorado. tipo capim na pança do gado. o choro é de longe mais bravo, porque mães choram também. minha mãe comeu a solidão quando ela veio. a tristeza. os sustos. os medos. os dedos. os segredos. os cedos. até aqueles brinquedos que todo mundo tem. minha mãe comeu a despedida melancólica dos trens. minha mãe comeu o amém pois minha fome veio no meio da oração. minha mãe é um coração. dentro de mim. batendo assim: faminto.

(scapin)

da surpresa

foi o dia mais feliz de todos os dias que eu fui feliz nessa vida. acordar e sentir que seus cabelos que possuem o cheiro único dos seus cabelos estavam carinhosamente conversando com os meus. até os ateus. acreditariam em mim diante de sua existência divina. a paixão que toca o olimpo nunca é contada no boteco da esquina. estas vêm de surpresa. surpresa. você é a presa. enquanto isso as árvores continuam trabalhando para que os vinhos continuem em nossa mesa. todos com certeza continuam escolhendo as maçãs mais belas. e só alguns continuam a se preocupar com a beleza em aquarela. arte abstrata ainda está na mais bêbada das telas. todo mundo aguarda o sol entrando na janela. surpresa é o que todo mundo espera.


(scapin)

dos copos

eu não vou mais contar quantos copos tem na prateleira bem acima da pia. nem quantos copos quebraram desde que eu comecei a contar quantos copos tem na prateleira bem acima da pia. nem quantos cacos foram pro lixo desde que os copos que eram contados começaram a quebrar. eu resolvi contar o amor. o amor é algo em torno de 1842. mas é sempre difícil manter a contagem depois do 40. eu sei que deu isso. cerca de 1842. fiquei lembrando e vi que tem mais amor do que copos na prateleira bem acima da pia. me deu vontade de usar a torneira da pia pra encher os copos. mas assim eu ia acabar contando. e eu não vou mais contar quantos copos tem na prateleira bem acima da pia. então enchi o amor mesmo e ele ficou tão grande que bateu na prateleira e quebrou todos os copos. tem muito mais cacos do que amor.

(scapin)

das caixas

a caixa de leite é um paralelepípedo. a caixa das caixas de leite é um paralelepípedo. a de suco, sabão em pó, farinha e sucrilhos também. a caixa do cd é fininha. a maioria das caixas das frutas são comestíveis. a da banana não, nem do abacaxi, da manga, do melão, da pinha. a caixa do livro é a cabeça. a caixa do beijo é a boca. a caixa de outra caixa é uma caixa maior que a outra. mas podem ser menores também. a caixa do pênis é a vagina. o destino é a caixa da sina. presentes vêm em caixas especiais. os que já não estão presentes estão nos caixões. o segredo é a caixa do sexo. o sexo tem x que nem caixa. a caixa do eu somos nós. e do problema são os nós. a caixa da bateria é regulável. a caixa da alegria é instável. a caixa da bateria ressoa. a caixa de uma pessoa é outra pessoa.

(scapin)